O titulo do meu segundo álbum – “Blues in my blood”- exprime minha afinidade com o gênero blues – algo que é tão visceral e vivido de forma tão intensa que “corre por minhas veias”.  Esta identificação com o blues tem muito a ver com minha formação sócio-cultural, como conto a seguir.

 

Cresci numa época de pós-movimento dos direitos civis norte-americanos nos Estados Unidos. O blues, o jazz e a folk music entravam pelos fundos de nossa casa e penetrava em meus ouvidos. As vozes das divas Ma Rainey, Bessie Smith, Billie Holliday, Nina Simone, Joan Baez e Joni Mitchell enchiam a minha casa de musicalidade quase todos os dias.  Eu adorava escutar essas músicas de interpretações femininas e percebia a valiosa contribuição que as mulheres deixaram como herança no gênero que conhecemos mundialmente como Blues.

 

Minha paixão pelo blues, enquanto gênero musical, foi crescendo na medida em que conseguia compreender o contexto sócio-político no qual surgiu e foi adquirindo vários significados.  Educada num ambiente familiar que refletia as lutas sociais e políticas da época, cresci acreditando na música como forma de protesto e de manifestação político-social. Por esta razão fui atraída pelas canções de trabalho - work songs -, spirituals e pelo blues que, ao mesmo tempo em que expressam tão fielmente a dor dos negros num país injusto, são sinais de resistência de um povo extremamente criativo que cavou seu espaço numa sociedade tão dividida etnicamente.

 

Nina Simone, na minha opinião, é uma das divas do blues que mais se inseriu na luta sócio-política daquela época.  Quando ouço sua voz, entro em contato com emoções muito intensas, o que é uma das marcas do blues.  O blues consegue entranhar na alma humana e conectar emoções como o desejo, o amor, as perdas e a tristeza com intensidade e verdade.  O que mais me fascina é sua capacidade em se adaptar e interagir com outras influências culturais de várias épocas, fluindo na correnteza dos tempos.  Desde o início de minha carreira musical, eu adorava pesquisar todas as vertentes do blues para compreender sua amplitude enquanto gênero musical, além de explorar a diversidade de sua origem.

 

Enraizada no Brasil há mais que 12 anos, hoje eu percebo com muita clareza o que une o blues (e as canções de trabalho e spirituals que antecederam o blues) a tantas outras expressões musicais neste país, tais como congados, sambas e músicas de candomblé. Eu acredito que a matriz negra e africana está presente no blues, no samba, no choro, no jazz, no reggae, no congado, irmanando em essência estes e outros tantos ritmos e estilos, sem se importar em que país floresçam.

 

 

Eu posso testemunhar que os sentimentos que são transmitidos de forma tão transparente e verdadeira nas expressões mais antigas da música afro-americana (spirituals, cânticos de trabalho) e que deram nome ao estilo norte-americano que se tornaria conhecido mundialmente como Blues,  estão presentes também aqui no Brasil, nos cantos de nossos folguedos populares, nos tantos lamentos e ladainhas entoadas  nas vozes dos afrodescendentes brasileiros.

 

Meu desejo de cantora, compositora e pesquisadora, é me dedicar à preservação do blues e à valorização das mulheres que foram fundamentais nesta construção histórica.  No entanto, reconheço, que qualquer estilo musical se enriquece também pela troca e pela interação com outros gêneros musicais, o que se expressa através da fusão e da criação de algo novo, igualmente belo.  Tanto meu primeiro CD, “Do Mississipi ao São Francisco”, quanto o mais recente, “Blues in my blood’,  comprovam a potência do blues, como se fosse uma substância que corre pelas veias e faz parte do meu circuito sanguíneo.  Mas, não é uma substância pura, pois sua riqueza se deriva da mistura com outros elementos.  Assim, minha identidade musical é formada a partir destes encontros ecléticos e diversificados.  Minha proposta atual não é diluir a essência do blues, mas mostrar de que forma pode dialogar com tantas outras linguagens musicais e continuar evoluindo e fluindo com os tempos, como as águas do Rio Mississipi, o lugar do seu nascimento.

 

BIOGRAFIA

 “Rodica é um ponto de convergência. Independente, comprometida, aventurou-se por diferentes mundos e sua voz poderosa filtrou o que havia de melhor em cada um dos lugares onde viveu. Sua música é sincera, não esconde sotaques e viaja a procura de elos perdidos.” (Titane)